sábado, 19 de outubro de 2019


Vem aí a economia baseada em dados pessoais

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) deve impulsionar a criação de uma economia baseada em dados pessoais. As primeiras iniciativas já começam a aparecer
Por: Ivan Ventura 

O surgimento de diversas leis sobre proteção de dados nos mais diferentes países, como é o caso do Brasil, pode desencadear uma importante e gigantesca mudança no comportamento do consumidor. Uma delas é que haveria um aumento generalizado na percepção de que os dados pessoais têm um dono, logo deve ser protegido contra o olhar de terceiros.
Se isso ocorrer, há uma chance de um grande número de pessoas limitarem o acesso das empresas a esses dados, o que desencadearia em um segundo movimento ainda mais importante: se há tanta gente interessada nas informações pessoais, então elas devem valer algum dinheiro.
Tem muita gente chamando esse movimento de economia de dados pessoais. Nela, o consumidor se torna o fornecedor e, assim, passa a oferecer os seus próprios dados mediante o pagamento de alguma vantagem financeira para o seu cliente final, no caso a empresa.
Tal realidade ainda é distante mas, ao mesmo tempo, o que não falta é gente flertando com o pioneirismo dessa nova empreitada baseada em dados.
Um exemplo é a Ocean Protocol, uma plataforma criada por uma entidade sem fins lucrativos de Cingapura, na Ásia. Em suma, o grupo desenvolveu o que pode ser um dos primeiros marketplaces de dados pessoais do mundo. Funciona assim: uma pessoa, como eu ou você, cadastra os dados pessoais na plataforma e informa quais deles estão disponíveis para tratamento. Empresas também se cadastram e verificam quem disponibiliza os dados que ela necessita para o seu negócio.
Em outras palavras, a plataforma conecta empresas e pessoas dispostas a comprarem e venderem os seus dados, tudo dentro de regras claras e uma via criptografada. Ao que tudo indica, a entidade deve se posicionar como uma espécie de meio tecnológico como Uber ou, quem sabe, um meio de pagamento digital.
A  Solid é outra plataforma com uma ideia praticamente idêntica a Ocean Protocol. Criada por ninguém menos que Tim Berners Lee, mais conhecido como o pai da internet, o serviço consiste na ideia de que dono do dado informa quais informações poderão ser submetidos a um tratamento, independentemente do site internet: pode ser uma rede social como o Facebook, o Gmail ou até mesmo em um e-commerce. A plataforma promete controlar fotos, passando por comentários ou até as milhas percorridas em um aplicativo de corrida, entre outras informações.

Sites de notícias, como a Wired, chegaram a classificar a Solid como a “vingança do pai da internet” contra os negócios digitais que abusam do tratamento de dados que surgiram a partir da internet.

O mercado brasileiro de dados
Por ora, nenhuma dessas iniciativas realizam qualquer mediação de comércio de dados entre pessoas física e/ou jurídica. Por outro lado, a venda de dados não necessariamente é algo novo ou estranho no mundo corporativo. O que existe hoje é uma economia baseada em dados onde basicamente participam empresas. E essa é a grande diferença dessa economia de dados.
O Brasil, aliás, é um ambiente fértil desse negócio, que possui um aspecto mambembe e que beira até mesmo a ilegalidade – e que pode até sumir com a entrada em vigor da LGPD, no dia 16 de agosto do ano que vem. Há um grupo de empresas legais que pregam um discurso pelo uso de dados extraídos de fontes públicas e que incluem informações como nome, endereço, e-mail e outras similares. Uma dessas companhias, por exemplo, exibe até mesmo uma tabela de preço com valores que variam de R$ 0,18 a R$ 0,30 centavos por pessoa. Esse valor muda conforme o volume de base de dados, ou seja, se o número de pessoas for maior, logo o preço por unidade será menor.
Há também o comércio de dados feito em pacotes, que podem ser de informações sobre empresas ou pessoas. Na internet, a Consumidor Moderno encontrou uma companhia que oferece uma base de 10 milhões de pessoas ao custo de R$ 399. A empresa também afirma que comercializa dados de fontes públicas e que incluem “apenas” informações como nome, telefone, endereço e muito mais.

Ilegalidade
Há, por outro lado, uma versão ilegal desse comércio de dados e que inclui até mesmo informações fiscais e financeiras – de novo, uma prática igualmente antiga no País. No passado, a venda desses dados ocorria (ou ainda ocorre) por meio de marreteiro que vende uma mídia recheada com diversos dados pessoais em lugares como a Praça da Sé ou na região da Rua Santa Efigênia, ambos no Centro de São Paulo.
Nos últimos anos, o mesmo comércio ilegal invadiu a internet. O caso mais recente ocorreu na semana passada, quando uma empresa de cibersegurança descobriu a existência de negócio com dados de mais de 92 milhões de brasileiros na dark web. O valor inicial era US$ 15 mil, ou seja, os nossos dados tinham valores muito abaixo de um mísero dólar. Especula-se que os dados foram vazados de órgão do governo federal, mas não há qualquer confirmação nesse sentido por enquanto.

Valor do dado

Mas e o que o futuro reserva quanto ao preço do dado pessoal dentro de uma economia de dados? Será que o comércio ilegal pode influenciar no preço desse bem intangível, assim como ocorreu após a legalização da maconha?

Um artigo publicado no início do ano na revista da consultoria PwC se aventurou pelo tema e não apenas cravou valores, mas também discutiu quais os fatos que determinam se uma informação vale menos ou dentro de um mercado formal. O artigo foi publicado na revista Strategy and Business.Intitulado “Os Herois de Dados do Amanhã”, o artigo foi assinado pelos consultores da consultoria Florian Gröne, Pierre Péladeau e Rawia Abdel Samad.

Nele, os autores afirmam que a aprovação em massa de leis de proteção de dados em diversos países deve desencadear em uma cultura de dados, o que inclui principalmente o aumento na sensação de direitos e deveres no uso das informações pessoais. Dessa forma, consumidores entenderiam que são donos dos dados, logo evitariam oferecer de maneira indiscriminada o uso dessas informações. Empresas, então, entrariam em um dilema: elas precisam desses dados, logo poderiam fomentar o comércio dessas informações.

É justamente nesse momento que surge a economia de dados. Começariam a aparecer empresas especializadas no gerenciamento de informações para pessoa física – algo que a Solid e a Ocean Protocol tentam ocupar desde já. Até mesmo novas profissões poderiam surgir, tais como um corretor de dados pessoais.

Telecomunicações

O artigo sugere que o setor de telecomunicações poderia ocupar esse negócio, pois eles estão no centro do tráfego de dados pela internet. “Dado o papel fundamental das empresas operadoras de telecomunicações dentro da economia digital – a posição central de suas redes de dados, suas capacidades de rede, seus relacionamentos com os clientes e sua experiência em assuntos governamentais – elas estão em uma boa posição para aproveitar essa oportunidade de negócios. Eles podem não fazer isso sozinhos; é provável que formem consórcios com empresas de software ou outros parceiros digitais”, afirma.

Valores

Por fim, o artigo estima o tamanho desse mercado e até mesmo quanto cada consumidor poderia receber pelo uso dos seus dados.
De acordo com os consultores, a economia de dados deverá movimentar mais de US$ 400 bilhões em 2025. “Os consumidores podem potencialmente recapturar até um quarto desse total”, afirma. Quanto ao preço, a médio global seria de US$ 1,18 por mês.
Entre os países, o maior preço pago pelo uso de dados seria nos EUA: US$ 4,91 por mês. O motivo? A grande quantidade de empresas digitais e a baixa regulação sobre o tema. Na Europa, diante do risco regulatório, o valor sequer chegaria a US$ 2.

A economia de dados deverá movimentar mais de US$ 400 bilhões em 2025


O artigo sugere que os dados vão se diferenciar a partir da qualidade das informações e os riscos envolvidos no negócio. A forte regulação é um exemplo, mas o impacto também estaria ligado a pujança da sua economia – ou seja, se os dados podem se converter em vendas. É por esse motivo que o preço do dado de um americano teria um valor superior que o de um europeu. O artigo só não menciona o Brasil ou mesmo o mercado latino. É hora de começarmos a pensar no assunto.



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