Vem aí a economia baseada em dados pessoais
A
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) deve impulsionar a criação de uma
economia baseada em dados pessoais. As primeiras iniciativas já começam a
aparecer
Por: Ivan Ventura
O surgimento de diversas leis sobre proteção
de dados nos mais diferentes países, como é o caso do
Brasil, pode desencadear uma importante e gigantesca mudança no comportamento
do consumidor. Uma delas é que haveria um aumento generalizado na percepção de
que os dados pessoais têm um dono, logo deve ser protegido contra o olhar de
terceiros.
Se
isso ocorrer, há uma chance de um grande número de pessoas limitarem o acesso
das empresas a esses dados, o que desencadearia em um segundo movimento ainda
mais importante: se há tanta gente interessada nas informações pessoais, então
elas devem valer algum dinheiro.
Tem muita gente chamando esse
movimento de economia de dados pessoais.
Nela, o consumidor se torna o fornecedor e, assim, passa a oferecer os seus
próprios dados mediante o pagamento de alguma vantagem financeira para o seu
cliente final, no caso a empresa.
Tal
realidade ainda é distante mas, ao mesmo tempo, o que não falta é gente
flertando com o pioneirismo dessa nova empreitada baseada em dados.
Um exemplo é a Ocean Protocol, uma plataforma criada por uma
entidade sem fins lucrativos de Cingapura, na Ásia. Em suma, o grupo
desenvolveu o que pode ser um dos primeiros marketplaces de dados pessoais do
mundo. Funciona assim: uma pessoa, como eu ou você, cadastra os dados pessoais
na plataforma e informa quais deles estão disponíveis para tratamento. Empresas
também se cadastram e verificam quem disponibiliza os dados que ela necessita
para o seu negócio.
Em
outras palavras, a plataforma conecta empresas e pessoas dispostas a comprarem
e venderem os seus dados, tudo dentro de regras claras e uma via criptografada.
Ao que tudo indica, a entidade deve se posicionar como uma espécie de meio
tecnológico como Uber ou, quem sabe, um meio de pagamento digital.
A Solid é
outra plataforma com uma ideia praticamente idêntica a Ocean Protocol. Criada
por ninguém menos que Tim Berners Lee,
mais conhecido como o pai da internet, o serviço consiste na ideia de que dono
do dado informa quais informações poderão ser submetidos a um tratamento,
independentemente do site internet: pode ser uma rede social como o Facebook, o Gmail ou até mesmo em um e-commerce. A
plataforma promete controlar fotos, passando por comentários ou até as milhas
percorridas em um aplicativo de corrida, entre outras informações.
Sites de notícias, como a Wired, chegaram a classificar a Solid como a
“vingança do pai da internet” contra os negócios digitais que abusam do
tratamento de dados que surgiram a partir da internet.
O mercado brasileiro de dados
Por
ora, nenhuma dessas iniciativas realizam qualquer mediação de comércio de dados
entre pessoas física e/ou jurídica. Por outro lado, a venda de dados não
necessariamente é algo novo ou estranho no mundo corporativo. O que existe hoje
é uma economia baseada em dados onde basicamente participam empresas. E essa é
a grande diferença dessa economia de dados.
O Brasil, aliás, é um ambiente fértil
desse negócio, que possui um aspecto mambembe e que beira até mesmo a
ilegalidade – e que pode até sumir com a entrada em vigor da LGPD,
no dia 16 de agosto do ano que vem. Há um grupo de empresas legais que pregam
um discurso pelo uso de dados extraídos de fontes públicas e que incluem
informações como nome, endereço, e-mail e outras similares. Uma dessas
companhias, por exemplo, exibe até mesmo uma tabela de preço com valores
que variam de R$ 0,18 a R$ 0,30 centavos por pessoa. Esse valor muda
conforme o volume de base de dados, ou seja, se o número de pessoas for maior,
logo o preço por unidade será menor.
Há também o comércio de dados feito
em pacotes, que podem ser de informações sobre empresas ou pessoas. Na
internet, a Consumidor Moderno encontrou
uma companhia que oferece uma base de 10 milhões de pessoas ao custo de R$ 399.
A empresa também afirma que comercializa dados de fontes públicas e que incluem
“apenas” informações como nome, telefone, endereço e muito mais.
Ilegalidade
Há,
por outro lado, uma versão ilegal desse comércio de dados e que inclui até
mesmo informações fiscais e financeiras – de novo, uma prática igualmente
antiga no País. No passado, a venda desses dados ocorria (ou ainda ocorre) por
meio de marreteiro que vende uma mídia recheada com diversos dados pessoais em
lugares como a Praça da Sé ou na região da Rua Santa Efigênia, ambos no Centro
de São Paulo.
Nos últimos anos, o mesmo comércio ilegal invadiu a
internet. O caso mais recente ocorreu na semana passada, quando uma empresa de
cibersegurança descobriu a existência de negócio com dados de mais de 92
milhões de brasileiros na dark web. O
valor inicial era US$ 15 mil, ou seja, os nossos dados tinham valores muito
abaixo de um mísero dólar. Especula-se que os dados foram vazados de órgão do
governo federal, mas não há qualquer confirmação nesse sentido por enquanto.
Valor do dado
Mas e o que o futuro reserva
quanto ao preço do dado pessoal dentro de uma economia de dados? Será que o
comércio ilegal pode influenciar no preço desse bem intangível, assim como
ocorreu após a legalização da maconha?
Um artigo publicado no início do ano
na revista da consultoria PwC se
aventurou pelo tema e não apenas cravou valores, mas também discutiu quais os
fatos que determinam se uma informação vale menos ou dentro de um mercado formal.
O artigo foi publicado na revista Strategy and Business.Intitulado “Os Herois de Dados do Amanhã”, o artigo foi
assinado pelos consultores da consultoria Florian Gröne, Pierre
Péladeau e Rawia Abdel Samad.
Nele, os autores afirmam que a aprovação em massa de leis
de proteção de dados em diversos países deve desencadear em uma cultura de
dados, o que inclui principalmente o aumento na sensação de direitos e deveres
no uso das informações pessoais. Dessa forma, consumidores entenderiam que são
donos dos dados, logo evitariam oferecer de maneira indiscriminada o uso dessas
informações. Empresas, então, entrariam em um dilema: elas precisam desses
dados, logo poderiam fomentar o comércio dessas informações.
É
justamente nesse momento que surge a economia de dados. Começariam a aparecer
empresas especializadas no gerenciamento de informações para pessoa física
– algo que a Solid e a Ocean Protocol tentam ocupar desde já. Até mesmo novas
profissões poderiam surgir, tais como um corretor de dados pessoais.
Telecomunicações
O
artigo sugere que o setor de telecomunicações poderia ocupar esse negócio, pois
eles estão no centro do tráfego de dados pela internet. “Dado o papel
fundamental das empresas operadoras de telecomunicações dentro da economia
digital – a posição central de suas redes de dados, suas capacidades de rede,
seus relacionamentos com os clientes e sua experiência em assuntos
governamentais – elas estão em uma boa posição para aproveitar essa
oportunidade de negócios. Eles podem não fazer isso sozinhos; é
provável que formem consórcios com empresas de software ou outros parceiros
digitais”, afirma.
Valores
Por
fim, o artigo estima o tamanho desse mercado e até mesmo quanto cada
consumidor poderia receber pelo uso dos seus dados.
De
acordo com os consultores, a economia de dados deverá movimentar mais de US$
400 bilhões em 2025. “Os consumidores podem potencialmente recapturar até um
quarto desse total”, afirma. Quanto ao preço, a médio global seria de US$
1,18 por mês.
Entre
os países, o maior preço pago pelo uso de dados seria nos EUA: US$
4,91 por mês. O motivo? A grande quantidade de empresas digitais e a baixa
regulação sobre o tema. Na Europa, diante do risco regulatório, o valor sequer
chegaria a US$ 2.
A
economia de dados deverá movimentar mais de US$ 400 bilhões em 2025
O
artigo sugere que os dados vão se diferenciar a partir da qualidade das
informações e os riscos envolvidos no negócio. A forte regulação é um exemplo,
mas o impacto também estaria ligado a pujança da sua economia – ou seja, se os
dados podem se converter em vendas. É por esse motivo que o preço do dado de um
americano teria um valor superior que o de um europeu. O artigo só não menciona
o Brasil ou mesmo o mercado latino. É hora de começarmos a pensar no assunto.
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