quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 

As tendências para o mercado de mídia e comunicação em 2021

Consultoria Kantar revela tendências que devem se firmar no ano que vem – muitas delas como resultado das mudanças trazidas pela pandemia de Covid-19

O fim do ano chegou e com ele se solidificam as apostas para os cenários que vamos encontrar em um mundo profundamente transformado por pandemia, confinamento, crise econômica e sanitária – bem como por novidades tecnológicas e comportamentais. Em todas as áreas será assim, mas quando se trada do mercado de mídia e comunicação, as transformações parecem ter sido ainda mais rápidas e profundas. Pensando nesse complexo quadro, a Kantar, empresa de pesquisa de mercado, insights e consultoria, liberou seu relatório de apostas para 2021, mapeando as tendências que devem impactar essa indústria.

Alguns desses insights já vêm acontecendo nos últimos dois anos, por exemplo o crescimento do marketing de influência, que agora pede cada vez mais propósito e posicionamento de quem pretende ocupar esse posto. Mas há novidades, como o conceito do assinante-bumerangue, aquele que vai e volta entre as diversas plataformas de subscrição de conteúdo que consome.

Para saber mais sobre o que vem por aí na opinião dos experts da consultoria, confira abaixo um top 5 entre as apostas elencadas.

Audiências com comportamentos ainda mais complexos

Donos de veículos de mídia, de plataformas de conteúdo e creators não devem ter sossego em 2021. A comunicação é um dos mercados que mais muda com a velocidade com que as mudanças sociais e de comportamento tem ocorrido atualmente e isso não deve se alterar. Ainda que a pandemia de Covid-19 arrefeça no ano que vem, a maneira como as audiências se comportam seguirá sendo complexa de entender.

“À medida que a pandemia progredia em cada país, observamos que o consumo de mídia crescia de forma importante. Só em abril, vimos a navegação na internet aumentar em 64%, o consumo de vídeo online em 54% e o engajamento em mídia social em 56%. Enquanto isso, os consumidores estavam cada vez mais preocupados com o futuro e com a economia: 77% sentiam ou esperavam sentir um impacto em sua renda”, diz o relatório.

A resposta para lidar com esses humores da audiência, impactada por uma realidade que não é mais tão solida, é ter agilidade para mudar sua forma de fazer comunicação e ter ainda mais interesse em mapear o que as pessoas querem ver. Em outras palavras, ler os dados e os sinais emitidos por seu público.

O assinante-bumerangue

Não é nada pessoal com a sua marca ou serviço, mas saiba que a tendência do consumidor ir e voltar entre diversas plataformas irá se consolidar em 2021. Lealdade será uma conquista difícil, principalmente no mercado de streamings, que vive uma “guerra” pelo assinante, animada no caso dos filmes e séries pelo lançamento da Disney+.

Segundo a Kantar o que vem por aí no ano que vem são parcerias para driblar esse feito bumerangue – como a da Disney com o Bradesco e a Globo Play no Brasil, por exemplo, e uma importância ainda maior em cuidar do relacionamento com o cliente: “A relação das plataformas com seus assinantes é peça fundamental e deve ser cuidadosamente planejada para reduzir o número de cancelamentos; nada reduz mais a fidelidade do que os consumidores não terem suas necessidades atendidas e não haver uma opção de saída (cancelamento) fácil”, reforça o documento.

A relação entre comércio eletrônico e mídias sociais

De acordo com dados mapeados pela Kantar, só nos Estados Unidos, por exemplo, 63% dos consumidores começam suas buscas de compras primeiro pelo Google – e não por sites como Amazon ou Walmart. Isso significa que, principalmente para os “millennials”, as mídias sociais seguem sendo uma grande e poderosa vitrine.

Em 2020 tivemos marcas grandes retirando seus investimentos de plataformas como o Facebook para pressionar uma melhor maneira de controlar anúncios de conteúdos patrocinados que podem ser danosos à democracia e aos Direitos Humanos, indo no rastro dos atritos que as eleições nos Estados Unidos causaram. Com mais gente conectada em tempo integral, por causa da pandemia especialmente, surgiram os e-commerces sociais, notadamente criados pela Amazon e pelo Alibaba, que “lançaram suas transmissões ao vivo, através do ‘Taobao Live’ e do ‘Amazon Live’, respectivamente, dentro de seus ecossistemas”.

Para o ano que vem, essa comunicação multicanal deve se tornar mainstream: “Essas novas dinâmicas de mercado permitirão que pequenas marcas insurgentes cresçam e ganhem participação de mercado. Por outro lado, players mais estabelecidos precisam ser mais ágeis e utilizar plataformas de comunidade, como o e-commerce social do Facebook Shop e WeChat, em conjunto com influenciadores na sua estratégia de comunicação e promoção.

TV tradicional X streaming

Se tem algo que mudou radicalmente foi a forma de consumir conteúdo durante a pandemia, com as pessoas passando horas e horas nas plataformas de streaming, a ponto de governos mundo afora terem que pedir para empresas como a Netflix diminuírem a qualidade de exibição de seus conteúdos para não comprometerem todo o sistema de internet.

Para enfrentar essa concorrência, a TV tradicional aposta no ao vivo, que ainda é algo de muito apelo e insubstituível. Para a Kantar, vem por aí um necessário estudo da atenção da audiência para entender como ela está se comportando. “Ainda que os patamares de audiência tenham retornado gradualmente aos níveis pré-isolamento, a co-visualização ainda é importante, e prevemos que as sobreposições do público entre as plataformas de streaming crescerão. A medição em todas as telas e plataformas deve ser levada a sério para entender as migrações das audiências”, diz o documento.

Leia também: Streaming ganha espaço e se torna rotina para os brasileiros 

Ação, influência e propósito

Há um tempo as consultorias de mídia e comunicação vêm falando sobre propósito para marcas e criadores de conteúdo. Em 2020 houve um verdadeiro divisor de água nesse sentido e muita gente que não se manifestou (incluindo marcas) foi cobrado.

“Buscando se diferenciar em um ambiente de mídia saturado, as marcas compartilham cada vez mais suas opiniões e se envolvem na área de políticas públicas. As oportunidades de sucesso ou fracasso são reais e, embora a paixão por uma causa possa ser forte, se as marcas apenas falarem e não fizerem nada, a credibilidade delas será questionada”, reforça o relatório da Kantar.

Entre os dados liberados no material, está, por exemplo, o fato de que para 49% dos consumidores “agir com responsabilidade é o que mais influencia a reputação de uma marca”. Com as redes sociais dando voz aos indivíduos, cobranças e posicionamentos devem ser cada vez mais comuns e todo mundo precisará estar preparado para isso, principalmente de forma a evitar ruídos de comunicação antes que eles aconteçam. Caso contrário, mais e mais marcas ou pessoas podem ser vistos como oportunistas, de acordo com o posicionamento tomado.

 

Mídia, próxima parada: reinvenção completa

O negócio de apurar fatos e produzir notícias sustentado pela publicidade comercial foi desconstruído, mas o conteúdo jamais teve tanto valor. De que forma fechar essa conta?

Web Summit 2020 foi pautado por diversas discussões mais intensas: nossa convivência com a Inteligência Artificial, os robôs, nossa interação com o planeta e os ecossistemas ambientais, a evolução das cidades como centros de convivência, criação intelectual e serviços capazes de permitir uma convivência mais saudável entre as pessoas o espaço urbano e o futuro das mídias.

Tive o privilégio de participar de diversas dessas discussões ao longo dos 3 dias do evento, com quase duas dezenas de executivos e profissionais de mídia da Europa, América do Norte, África e Austrália. Um resumo dessas discussões é o objeto desse artigo.

Nesse último tópico, uma série de mesas-redondas foram realizadas ao longo dos 3 dias do evento, procurando compreender a dimensão da disrupção que desconstruiu por completo toda a lógica da produção de notícias, apuração dos fatos, a compreensão dos fatos, o relacionamento com as audiências, novos modelos de monetização e organização do que se convencionou a chamar de mídia comercial.

O século XX, desde o seu início, permitiu uma ligação quase umbilical entre democracias e liberdade de imprensa, tendo como avalista a publicidade comercial. O sofisma era básico: “Não existe democracia sem imprensa livre. Não existe imprensa livre sem publicidade”. Era justamente a publicidade comercial que garantia a repórteres, jornais, revistas, canais de TV e rádio, uma grande independência para reportar os fatos, mesmo aqueles que confrontavam o poder e as instituições. Tanto é verdade, que um dos requisitos essenciais para que ditaduras ou governos autoritários se estabelecessem, era justamente limitar a liberdade de imprensa.

Esse modelo funcionou razoavelmente bem até os primeiros anos do século XXI. Isso porque as mídias controlavam fundamentalmente os mecanismos de distribuição da informação produzida. Revistas, jornais, canais de rádio e TV funcionavam como “silos” e buscavam formas de endereçar seus produtos por meio de canais físicos estabelecidos: bancas de jornais, livrarias, assinaturas com entrega domicílio para as mídias impressas e repetidoras com alguma produção local coordenada com a produção de um núcleo central para as emissoras de rádio e TV.

A busca por audiência pautava o jogo e o negócio. E quanto maior o alcance e a penetração das mídias, maior era o valor do espaço publicitário – aberto no meio da informação oferecida. Por incrível que pareça, a produção de informação parecia abundante, mas não era, de fato. Ao contrário, era limitada por barreiras físicas definidas: o número de páginas nas mídias impressas e o tempo disponível, no rádio e na TV. Logo, a publicidade comercial era praticamente compulsória. Era necessário ver anúncios para continuar acessando o conteúdo.

Leia também: As tendências para o mercado de mídia e comunicação em 2021 

Desconstrução e disrupção

Aos poucos, como convém às disrupções reais, esse modelo foi sendo desconstruído, obedecendo aos 6 “Ds” clássicos da exponencialização. Primeiramente, o conteúdo foi digitalizado. Jornais, revistas, rádios e TV, apressaram-se para colocar seu conteúdo na internet, vendo aí mais uma forma de ganhar “audiência”. Depois, essa oferta passou “despercebida”, na medida em que, aparentemente, essa oferta digital trazia pouco valor.

E então veio a disrupção. A abundância de conteúdo jogado e disponível da internet precisava ser endereçado às pessoas que buscavam assuntos de sua preferência. Os buscadores, Google muito à frente e as redes sociais, receberam de bom grado uma corrente de conteúdo infinita gerada pelos veículos de mídia e então criaram o formato de “links patrocinados” – conteúdos que quisessem atingir mais pessoas e que fossem de encontro a públicos precisos precisariam ser pagos. Uma disrupção tão potente que logo tirou dos veículos o controle sobre a destruição. O “espaço” disponível aumentou dramaticamente e o valor dissipado da perda da distribuição foi capturado e multiplicado pelas plataformas de distribuição inteligente.

Vieram então os 3 “Ds” finais: desmaterialização (o conteúdo tornou-se inteiramente digital), desmonetização (a publicidade comercial saiu dos espaços publicitários e foi para anúncios incrivelmente direcionados e para gestão de comunidades) e democratização (mais pessoas e organizações passaram a produzir mais conteúdo, “brigando” pelo mesmo interesse e pela mesma audiência que as mídias tradicionais).

E agora?

O fato é que abandonar um modelo de negócio tão consolidado quanto a venda de espaço publicitário é extremamente custosa e difícil. O fato é que as mídias passaram a olhar para dentro de si mesmas para entender quem exatamente consumia o conteúdo e quais os formatos de monetização que esse domínio da preferência da audiência permitiam. Eventos foram uma alternativa, patrocínios associados a pautas de cobertura dos eventos foram uma ampliação dessa ideia. Assinaturas direcionadas por assuntos, por níveis de permissão de acesso e imersão no conteúdo foram outra ideia. Crowdsourcing foi outra opção voltada para atender mídias de “interesse público”, formas de comercialização dos conteúdos foram outras escolhas.

Mas nenhuma delas ou a combinação delas pareceu tão promissora quanto a ideia de “membership” ou uma evolução da ideia de assinatura, baseada não apenas na imersão no conteúdo oferecido, mas sim na ideia de associação a uma comunidade fechada com direito a serviços diversos oferecidos no interior das plataformas.

Sim, o futuro das mídias passa pela adoção e construção massiva de sistemas e a renúncia à publicidade convencional, como uma escolha para manter vitalidade e vigor factual. Saem as mídias “físicas” e entram as plataformas “phygital”, que unem experiências de conteúdo muito embasadas na entrega digital, temperadas por experiências físicas de alto valor. Ao “plugar” serviços nas plataformas e oferecer mais ideias de consumo associadas aos conteúdos, há toda uma série de oportunidades para as mídias novamente ganharem espaço, se diferenciando da massa de ruídos provocada pela abundância de informação, a partir da combinação de curadoria, relevância, confiabilidade e rentabilidade.

O futuro está nas plataformas

Em jogo, está não apenas a sobrevivência da “mídia”, mas sobretudo de um sistema de informação que sustenta as democracias liberais. O ecossistema ainda está muito machucado, com diversas empresas tradicionais à deriva diante da necessária transformação digital e a necessidade de ajustar modelos de negócios para a construção de comunidades, redes e coalizões que possam sustentar o negócio e viabilizar o caminho do “membership”. Por isso, convivemos com perda de credibilidade, alterações de estilo, lacunas na produção, ansiedade na cobertura e repercussão de diversas agendas sociais e econômicas, nublando a necessária objetividade da informação com opiniões muitas vezes desconectadas das aspirações e expectativas da audiência.

Ainda assim, os efeitos da exponencialização da informação ainda estão por todo o horizonte das mídias, no Brasil e no mundo, conforme pudemos concluir a partir das participações nas diversas mesas-redondas do Web Summit 2020. Mas a pandemia de Covid-19 mostrou o quão necessário e urgente é a reinvenção das empresas que buscam trabalhar a informação para audiências diversas. Buscar a conexão mais profunda, mais relacional e mais sintonizada com expectativas e oferta de valor com as audiências, retomando o controle sobre a distribuição dentro de plataformas fluidas e de formato phygital parece o caminho menos acidentado para uma nova mídia.