segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

GRANDES JORNAIS DO MUNDO SOBREVIVERÃO. DIGITALMENTE
Por Ethevaldo Siqueira
Respondi a um comentário de Cecel Peixoto, num post sobre o fim da Editora Abril, em que meu amigo previu que o Estadão também irá desaparecer. Resolvi transformar minha resposta neste artiguete, com mais espaço, como simples contribuição ao debate – já que ele interessa a todos os cidadãos e não apenas aos jornalistas.
Comecei para afirmar a Cecel Peixoto que o Estadão, em minha opinião, não vai desaparecer. Vai apenas mudar de formato, ao passar do papel para o meio eletrônico ou digital. Não há nenhuma dúvida que, no mundo inteiro, o jornalismo impresso está com os dias contados.
Mas, notem, eu escrevi, com todas as letras, que se trata apenas do JORNALISMO IMPRESSO, agora em maiúsculas, para enfatizar. Jornais ou revistas impressas poderão sobreviver, no máximo, uns 5 anos. O que eu quero reafirmar a todos que me leem é que jornalismo não morrerá. O mundo civilizado não pode viver sem jornalismo de verdade.
Veja só o terrível desafio em que se transformou a impressão de notícias em milhares de exemplares de papel, que exigem a destruição de milhares de árvores a cada edição, além dos altos custos de energia e de distribuição, para levar, finalmente, suas notícias e opiniões ao leitor, 8 ou 10 horas após os acontecimentos.
Acho que não preciso acrescentar nenhum novo argumento para prever que o jornal e as revistas, em seu formato de papel, impresso, não terão como sobreviver às mudanças exponencial ou disruptivas que a tecnologia nos vem impondo depois do advento da internet.
Tudo isso decreta de forma inapelável o fim de nosso velho e querido jornal impresso: sua impossibilidade de competir com a velocidade de circulação das notícias do jornalismo eletrônico da internet, do rádio e da TV – em que as notícias são atualizadas a cada minuto, online, em tempo real.
Por mais saudade que tenha dos jornais impressos, aprendi a ler e a aceitar os grandes jornais eletrônicos do mundo atual, entre os quais The New York Time, Washington Post, The Guardian, The Japan Times e a revista The Economist. Sei que não é barato assinar todas essas publicações. Mas, no meu caso, economizo em outras coisas para me manter informado neste mundo conturbado do século 21.
Sou testemunha de que todos esses veículos impressos já fazem uma transição bem sucedida do papel impresso para o meio eletrônico – inclusive com ganho visual na qualidade das imagens, nas cores, na dinâmica dos vídeos e podcasts. Aposto que essas publicações sobreviverão por sua qualidade, prestígio, credibilidade e pela profundidade de seu conteúdo.
E no longo prazo? Num horizonte mais distante, eu diria que – daqui a 50 anos, por exemplo – só teremos, na melhor das hipóteses, algumas publicações periódicas em papel (ou outro material sucedâneo, reciclável), como uma forma bem diferente de jornalismo impresso, voltado apenas para opinião, arte, história, teses, pesquisas, artigos com grandes e profundas análises de historiadores, de cientistas ou de filósofos. Mas, com tiragens ultra reduzidas. Ou publicações sobre arte (como pintura, escultura ou desenho) em que a qualidade gráfica e a beleza visual sejam elemento essencial à obra.
Quanto ao Estadão, depois de ter passado mais de 45 anos ligado profissionalmente a esse jornal, eu não tenho a menor dúvida de que ele poderá se transformar num dos grandes jornais eletrônicos brasileiros do futuro, até porque nenhum outro jornal tem tanto carisma, tanta tradição de luta e resistência democrática ao longo de mais de mais de 140 anos. Mas será preciso investir na transição – do papel para o mundo digital – para atrair as novas gerações de leitores ávidos de informação de qualidade e debates de alto nível.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018


Os rumos do jornalismo e dos jornais
4 de dezembro de 2018

 “O jornalismo e os jornais enfrentam a tormenta com medidas que, pouco a pouco, vão desvendado resposta sobre como superar as contradições e conflitos que constrangem e atingem as mais diversas profissões e atividades”. Portal Comunique-se publica artigo do professor Marcel J. Cheida

As grandes e profundas transformações vividas nas últimas três décadas, com a acelerada expansão das tecnologias da informação, afetam toda a sociedade, em todo o planeta. O mundo da comunicação social virou de ponta cabeça. As novas gerações digitais trafegam na construção de um universo centrado na conectividade, na produção e consumo de informações rápidas, breves e superficiais, geralmente.

A palavra crise tem sido constante empregada para qualificar tais mudanças que chegam a ser radicais. E ela afeta todas as formas de comunicação, tanto a interpessoal, que virou refém dos celulares, como a social, moldada pelas redes sociais, sites e blogs.

Nesse universo, o jornalismo e os jornais enfrentam a tormenta com medidas que, pouco a pouco, vão desvendado resposta sobre como superar as contradições e conflitos que constrangem e atingem as mais diversas profissões e atividades. Contudo, a resiliência sobre as mudanças tecnológicas é inerente à capacidade humana em inventar, criar e se adaptar para tirar o máximo que pode daquilo que domina.

“A palavra crise tem sido constante empregada para qualificar tais mudanças que chegam a ser radicais”

Assim, a questão maior não é propriamente o impacto tecnológico sobre a sociedade e sim as alterações comportamentais, culturais e as novas crenças que dele derivam e se viralizam sem qualquer conexão com a factualidade. O imaginário enriquecido pela polarização das ideias encontra nas redes o ambiente para se propagar e desdizer o mundo. É a pós-verdade e a fraude noticiosa que empurram milhões a crer em ilusórias mensagens como se fossem ideias absolutas. No subterrâneo das redes, crackers e hackers alimentam informações diversas, artificiosas e carregadas de intenções manipuladoras. Como combater essa poderosa munição informativa que atinge de morte as verdades sobre os fatos?

O jornalismo é um das importantes ferramentas de defesa contra as fraudes, o ilusório e as mentiras que tomam conta do imaginário de tantos. O mal das informações fraudulentas é que quem as toma como verdadeiras incorre em erros, falha em projetos e sucumbe ao ridículo por não se sintonizar com a realidade cotidiana.

O modelo de sociedade líquida proposto por Zygmunt Bauman ajuda a entender como as informações se moldam ao interesse e ao sentimento de quem a produz ou a consome, numa reação de brevidade impermeável à reflexão. Alguns estudos recentes sobre o ecossistema digital apontam um caminho de regresso às sociedades da era anterior à imprensa. As informações trafegam em fluxos de modo efêmero, sem enraizamento algum. Apesar da sofisticada tecnologia digital, o costume é nostálgico de um passado remoto. É exatamente a invenção da imprensa de Gutenberg, no século XV, a expansão da impressão dos livros e a criação dos periódicos que superam aquele estado permeado pela ignorância e pelo misticismo para a Europa ingressar na Modernidade. E o jornalismo passou, então, a se desenvolver para cumprir um papel essencial, mesmo com erros e fragilidades de qualquer projeto humano.

“O jornalismo é um das importantes ferramentas de defesa contra as fraudes”

Os jornais são fundamentais para espantar a ignorância cotidiana que acomete legião de indivíduos que pouco leem ou que desprezam a leitura. Nenhum país com alta qualidade de vida conquistou tal status sem a leitura, sem livros, sem jornais. Mesmos os erros e absurdos publicados em periódicos diversos são pouco frente às notícias procedentes, elaboradas com esmero por milhares de profissionais. A relação entre a leitura de jornais e o índice de qualidade de vida é decisiva para entender como o jornalismo contribui para melhorar as condições sociais.

Os jornais ainda detêm um bom nível de credibilidade entre os brasileiros. Mesmo quando criticados, muitas vezes verifica-se a improcedência de acusações oriundas de quem pouco conhece o processo noticioso.

Thomas Jefferson, um dos pais da nação norte-americana, dizia que era preferível uma sociedade sem governo do que sem jornais. A radicalidade da afirmação contempla um senso crítico e em favor da imprensa e da notícia publicada como organismos fundamentais numa sociedade política, democrática, de cidadãos livres. Mesmo com a presença ostensiva das redes sociais no dia a dia de milhões de brasileiros, os jornais se constituem em ilhas de esclarecimentos. É evidente que também respeitados sites e blogs noticiosos contribuem para adensar o debate e oferecer maior compreensão sobre fatos complexos para segmentos de sujeitos que preferem a informação rasteira, breve, manchada pelo preconceito, pelo clichê.

“Os jornais são fundamentais para espantar a ignorância cotidiana que acomete legião de indivíduos que pouco leem ou que desprezam a leitura”

Jornalistas formados são profissionais preparados para detectar nas nuvens aquilo que tem relação com os fatos, de modo a filtrar e a eliminar a poluição de mensagens improcedentes, produzidas por algoritmos cujos autores agem com más intenções. Ler jornais, em qualquer plataforma, física ou virtual, implica em compromissos com o noticiário que esculpe o cotidiano. Quem lê dispõe de recursos mais rigorosos para enfrentar a trama conturbada de uma sociedade conflitiva.

Cada vez mais, os jornais e o jornalismo são bases para contribuir com a ampliação do conhecimento sobre os atos dos governantes e assim oferecer ao cidadão condições para que possa cobrar, exigir e até mudar os rumos de um governo. As informações breves, toscas e superficiais, ao contrário, servem a quem está descompromissado com a cidadania, mesmo quando há um grave desprezo pelas instituições governamentais. Seja na Europa, na América ou mesmo na Ásia, a presença dos jornais é decisiva para medir o desenvolvimento e a riqueza de uma sociedade. O Brasil precisa se empenhar mais para aperfeiçoar o jornalismo e estender a produção e a leitura de jornais.

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Por Marcel J. Cheida. Jornalista e professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).