Como o NYT
transformou o digital em receita?
Representatividade de assinaturas
digitais do jornal indica, segundo analistas, saídas para a queda de receita
publicitária
Os dados divulgados na última quarta-feira, 8/2, sobre os resultados do
segundo trimestre nas receitas do New York Times indicam algumas questões
relacionadas à rentabilização no ambiente digital. Ao comentar os resultados,
Mark Thompson, CEO do NYT, afirmou que o jornal deve chegar em breve ao marco
de 4 milhões de assinantes e agradeceu, especialmente, aos assinantes digitais.
O título fechou o mês de junho com 3,8 milhões de assinaturas, essa fonte de
receita, inclusive, já representa 62% do faturamento do NYT ante 50,5% de cinco
anos atrás.
Do montante de assinaturas, 2,8 milhões vêm da
versão digital. Desde o fim de 2016, período pós-eleitoral nos Estados Unidos,
o NYT conquistou 1 milhão de novos assinantes digitais. As receitas de
assinaturas digitais somaram US$ 99 milhões, alta de 20% na comparação com o
mesmo período de 2017. A receita total da empresa no trimestre foi de US$ 415
milhões, alta de 2%, com um lucro de US$ 24 milhões. “Em breve, vamos passar os
3 milhões de assinantes digitais e 4 milhões no total”, disse Thompson. Ele
reforçou, no entanto, que o resultado do período foi menor do que nos últimos
trimestres.
“Esses números mostram uma marca
de jornal que tem chances de converter leitores e receitas para o universo
digital. Ainda há um desafio enorme de garantir que ‘dólares analógicos não
virem centavos digitais’ (como disse o Jeff Zucker, CEO da NBCi). Outro ponto é
que marcas analógicas podem criar novos produtos no universo digital, como o
podcast The Daily, e extrair valor
deles (assinaturas e publicidade). Ou seja, vejo que a vida seguirá muito
difícil para a empresa, mas detecto um trabalho consistente que pode fazer ela
sair do outro lado do túnel”, diz Bob Wollheim, fundador da The B Network.
Antonio Rocha Filho, professor de jornalismo da ESPM, entende que em um
momento em que os negócios dos grupos de comunicação tradicionais passam por
grave crise de financiamento em todo o mundo o resultado do NYT pode ser um
indicativo de que há saída para a queda de receita publicitária no meio
impresso.
“O resultado também traz embutido o significado de que a população em um
ambiente de caos de desinformação, com as chamadas fake news, está disposta a
pagar por informação de qualidade, que pode ser obtida por meio do jornalismo
profissional”, afirma Antonio.
Rodrigo Tigre, CEO da RedMas, diz que muito se discute sobre conteúdo
pago na internet, “mas a verdade é que os veículos tradicionais criaram desde o
início essa sensação de que o conteúdo é gratuito e ficaram presos por muito
tempo em modelos antigos. As pessoas estão sim interessadas em pagar por
conteúdo, desde que vejam valor nisso.” Já Rodrigo Souto, gerente de marketing
da HubSpot para o Brasil, entende que o crescimento do New York Times através
de assinaturas digitais serve como mais uma demonstração que algumas indústrias
podem sobreviver sem uma forte presença digital, “mas elas estarão apenas
sobrevivendo, não prosperando.
”Não é uma surpresa
que o NYT se adiante a esse movimento. O jornal começou a migração para o
cenário digital investindo em podcasts, o que foi uma estratégia muito
importante para atrair o público jovem. Vale ressaltar que o leitor
norte-americano enxerga o valor do conteúdo com qualidade e entende que ele
pode continuar existindo, mesmo sendo pago. Trazendo para o mercado
brasileiro, temos alguns desafios: fazer com que o leitor valorize e pague por
isso e que os produtores de conteúdo não percam o foco em manter a qualidade em
todas as mídias”, diz Marcio Cavalieri, CEO da RMA Comunicação.
Se o NY Times vai bem, por que o resto não?
A mudança importante veio da fonte de
recursos, não da plataforma: mais de 60% das receitas chegam por investimento
da audiência e menos de 30% de publicidade
Não há encontro
internacional de jornalismo em que não se cite o The New York Times como
exemplo de um meio tradicional que soube se reinventar. São tantos os acertos e
a quantidade de casos de sucesso, que fica quase impossível falar de inovação
em meios de comunicação sem falar da “Velha Senhora”, com seus mais de 160 anos
de idade.
Mas atenção: nem mesmo o “benchmark” mais conhecido do mundo conseguiu
promover a virada estratégica, ou seja, passar a ter mais receitas originadas
no Digital do que no Papel. Mais de 50% do dinheiro que paga as contas do The
NYT ainda vem das páginas do impresso. A mudança importante, porém, veio da
fonte de recursos, não da plataforma: mais de 60% das receitas chegam por
investimento da audiência e menos de 30% de publicidade. Isso quebra a lógica
perversa que mantinha as empresas de comunicação pelo mundo.
A dependência da publicidade, ainda realidade em 99% dos meios de
comunicação do Brasil, tem riscos enormes. Pior, se o anunciante for governo –
como é habitual em cidades pequenas – a separação Igreja/Estado costuma não
funcionar. E a qualidade do conteúdo, ao fim e ao cabo o maior ativo de uma
empresa de comunicação, vai por água abaixo.
A estratégia do The NYT é simples – e pode ser copiada por qualquer meio
de comunicação: o conteúdo publicado nas plataformas disponíveis (impresso,
digital, podcast, vídeos, redes sociais) precisa ser ótimo. Precisa ter muita
qualidade. Precisa ser tão bom (e exclusivo) que uma pessoa pagaria para
recebê-lo. Simples assim. É claro que qualidade custa caro. E boa opinião
também. Mas não há como vender conteúdo commodity ou opinião “meia-boca”. Isso
não tem valor algum.
Outra diferença que incentiva meios pequenos e médios a desistirem da
estratégia de cobrança da audiência é achar que seu público-alvo é pequeno, sua
audiência em potencial. Isso por um lado é verdade, mas por outro não faz
sentido. A comunidade pagadora em potencial se forma ao redor de conteúdos
relevantes. Mais, a digitalização permite que o limite não seja mais
geográfico, e sim de interesses informativos.
Portanto a solução é não desistir. E ter muito clara a estratégia de que
a maior fonte de receitas é a audiência, não a publicidade. E então produzir
conteudos para essa audiência. Produtos sob medida. E um conteúdo da melhor
qualidade, irresistível. Aí será possível cobrar por ele.
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