Crise na imprensa argentina:
demissões
e fechamentos de jornais
20 de outubro de 2017
A imprensa argentina atravessa o pior momento de estabilidade e falta de emprego desde a democracia em 1983, diz jornalista. Por lá, há fechamentos de jornais e demissões de comunicadores
No dia 31 de julho
deste ano, o antigo jornal argentino de língua inglesa, Buenos Aires Herald,
fechou as portas. Há 140 anos em atividade, o periódico tornou-se famoso por
ser o único a denunciar os crimes de lesa-humanidade promovidos pelo Estado, na
época da ditadura militar, que comandou o país de 1976 a 1983.
O jornal, que
atingiu o auge nas mãos do editor britânico Robert Cox, teve seu declínio
quando deixou de ser comandado por estrangeiros. Em 2007, foi comprado pelo
argentino Sergio Szpolsky e, posteriormente, Cristóbal López. Ambos empresários
próximos da ex-presidente Cristina Kirchner.
Ademais, no dia 8
de junho, cerca de 3 mil jornalistas foram às ruas no centro de Buenos Aires
protestar a favor de melhores salários e contra demissões. Segundo o Sindicato
da Imprensa de Buenos Aires (Sipebra), “no último semestre, a
precarização endêmica da atividade jornalística se agravou com a perda de mais
de 2 mil postos de trabalho, públicos e privados, em um contexto nacional de
quase 200 mil demissões em todas as atividades”. O salário médio mensal de
jornalista na Argentina é de 19.647 pesos argentinos, o equivalente a US$
1.134,62 e R$ 3.552,25.
O
fim de uma era
Criado em 1876 pelo editor escocês William Cathcart, o Buenos Aires Herald tinha o objetivo de informar a comunidade britânica, formada por comerciantes, construtores e ferroviários, na Argentina. Com o tempo, ganhou importância política quando tornou-se contrário ao nazismo – isso nos anos 1930 e 1940.
O envolvimento
político se fortaleceu quando Cox, mesmo diante das ameaças dos generais da
ditadura militar, expôs crimes e publicou nomes de pessoas desaparecidas e
indevidamente presas, salvando vidas. Enquanto os jornais do país sofriam
pressão e censura, o Buenos Aires Herald garantia independência porque seus
donos, editores e jornalistas não eram argentinos.
Tudo mudou em 2007,
quando o empresário kirchnerista, Cristóbal López, comprou o jornal. Na
Argentina, López também é dono do conglomerado empresarial e midiático Grupo
Indalo. Durante a gestão da presidente Cristina Kirchner (2007-2015), o Buenos
Aires Herald recebia verba publicitária para manter-se a favor do governo. Com
a eleição de Maurício Macri em dezembro de 2015, essa fonte de investimento
perdeu-se.
“No início de 2016, havia 28 pessoas
trabalhando na redação. Em novembro do ano passado, a maioria da equipe foi
demitida. Antes de fechar, éramos apenas seis pessoas, mais os colaboradores
externos”, explica Sebastián Lacunza, ex-editor do Buenos Aires Herald.
Com redação mínima,
o diário passou a ser semanal até encerrar de uma vez as atividades. “Os
últimos dois anos e meio foram de cortes sucessivos nos recursos e demissões de
pessoas. Isso, é claro, afetou a equipe editorial que, no entanto, manteve um
compromisso firme com a história e o presente do Herald. Foram anos muito
difíceis”, lamenta Lacunza.
Sobre os motivos de
fechamento do jornal, o editor prefere se manter neutro. “Os motivos devem ser
explicados pela empresa que tomou a decisão, não quero agir como seu porta-voz.
Nos últimos anos, a gestão comercial e empresarial mereceu objeções profundas,
mas não é apropriado torná-las públicas. O mundo sabe que há múltiplos
conflitos econômicos sobre a mídia, na Argentina e no mundo, mas não sei se
essas foram as razões do encerramento”.
Imprensa
argentina X governo
De acordo com uma pesquisa publicada pelo Comité para la Protección de los Periodistas, “En la confrontación entre el gobierno argentino y la prensa, pierde el periodismo”, o embate de interesses entre os Kirchners e a mídia (em especial, o Grupo Clarín) começou em 2008, no primeiro mandato de Cristina, por causa da implementação de taxas de exportação para o setor agrícola. Diante a decisão governamental, o Clarín se posicionou a favor dos agricultores, que protestaram contra a medida. A pesquisa também aponta que os Grupos Clarín e La Nación são os principais organizadores da Expoagro, feira de agricultura e pecuária anual de relevância da Argentina.
A revolta se
acentuou com a sanção da Lei de Serviços e Comunicação Audiovisual, de 2012,
cujo conteúdo dizia que nenhum conglomerado poderia ter mais do que 24 concessões
de TV a cabo e dez de rádio e televisão aberta. “O Grupo Clarín possui dez
vezes mais licenças de cabo do que o número autorizado, além de quatro canais
de televisão; uma rádio FM, dez rádios AM e o jornal de maior tiragem do país”,
explica texto divulgado, em 2012, no Observatório do Direito à Comunicação.
“Muitos pontos
dessa lei significaram um avanço em termos de federalização de conteúdo e
criação de pequenas mídias em todo o país. A Lei de Mídia foi um bom
instrumento, mas não acho que tenha sido criada para fins totalmente sagrados”,
comenta o jornalista do Diário La Nación, Alfredo Ves Losada, 38 anos. Ele
acredita que o objetivo central era desmantelar o Grupo Clarín, por causa de
sua importância política e econômica.
Para o jornalista,
grande parte dos meios de comunicação argentinos mantiveram uma relação hostil
com o kirchnerismo. Aqueles que apoiavam o governo Kirchner eram subsidiados
por publicidade de Estado, e com o fim do mandato, perderam fontes de
financiamento. “Isso limitou a multiplicidade de vozes ou pontos de vista
editoriais”, expõe Losada.
Com a posse de
Macri, foi decretada o fim das agências reguladoras da comunicação midiática
argentina. O jornalista esclarece que o presidente emitiu um decreto para
revogar os aspectos mais fortes da Lei (o que, na prática, significava o fim da
mesma). A decisão pôs fim aos aspectos questionáveis, mas também aos que
pareciam mais auspiciosos.
O atual cenário é
de “lua de mel entre a mídia e a Casa Rosada”, brinca Losada. Segundo ele, o
contato de funcionários com jornalistas é mais fluido do que antes, e as
conferências de imprensa são comuns, o que não acontecia durante os 12 anos de
administração do Kirchnerismo.
Além disso, para o
diretor do curso de comunicação e jornalismo da Universidade Católica
Argentina, Hernán Carlos Cappiello, há um respeito maior pelo trabalho
jornalístico e pelos ataques do passado, quando o governo montou políticas de
perseguição aos jornalistas que não compartilhavam com mesmas ideias.
No entanto, Losada
enfatiza que à medida que os meses passam e o governo desenrola sua própria
ação governamental, os questionamentos também surgem, como acontece neste
momento preciso, no qual o desaparecimento de um jovem é investigado (Santiago
Maldonado), referindo-se à comunidade indígena mapuche, que é suspeita de ser
reprimida e sequestrada por uma das forças de segurança do Estado.
Condições
de trabalho
Nos últimos seis anos, o sindicato da imprensa sofreu reduções salariais. Desde
a chegada de Macri, centenas de demissões na mídia em todo o país foram
noticiadas. Isso teve efeito igualmente prejudicial em mídias mais
consolidadas: tanto La Nación quanto Clarín organizam esquemas de retirada voluntária
para diminuir a quantidade de funcionários.
“A imprensa
argentina provavelmente atravessa o pior momento em termos de estabilidade e
falta de emprego desde a recuperação da democracia em 1983. Isso é explicado
pelos próprios problemas do país, mas também pelo contexto global de explosão
da Internet e da mídia eletrônica”, justifica Losada.
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Por Fernanda
Campos e Maria Catarina Mazzitello. Integrantes do projeto
‘Correspondente Universitário‘
do Portal Comunique-se e estudantes do sexto semestre do curso de jornalismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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