Folha de São Paulo
comemora os 100 anos de fundação
Sérgio Dávila, diretor de redação do
jornal, fala sobre a cobertura da imprensa atual; veículo prepara lançamentos
para celebrar a data
Nesta sexta-feira, 19, a Folha de S.Paulo completa 100 anos de
existência. Para celebrar a data, nos próximos dias o jornal anuncia uma série
de iniciativas: lança a nova edição do Manual da Redação, ampliada, acrescida
de trechos sobre liberdade de expressão, diversidade, mobilidade e assédio
sexual e moral; a coleção 100 Anos de Fotografia, com dez livros que reúnem
imagens raras do acervo do jornal; a cátedra Otavio Frias Filho, na USP,
voltada aos estudos sobre jornalismo, diversidade e democracia; anuncia o
acordo da Folha com o Público, um dos principais jornais de Portugal, que cria um
intercâmbio de publicações entre os dois veículos, levando reportagens da Folha
para os leitores portugueses e trazendo para os brasileiros matérias do
Público; parceria com a produtora Conspiração para uma coluna semanal, com
ensaios pessoais sobre situações em que acontecimentos casuais mudaram vidas.
Outra novidade é o
lançamento de um programa de treinamento para jornalistas negros, o que
demonstra a atenção cada vez maior do jornal para a diversidade na redação e
nas pautas produzidas por ela. Em 2019, a Folha criou a editoria de
Diversidade, dedicada à publicação de conteúdo que reflita a variedade da
sociedade brasileira. Além disso, desta sexta, 19, ao final do mês, a Folha
apresentará uma série de conteúdos inovadores em diversas plataformas. Nos meses
seguintes, sempre no dia 19, haverá a publicação de um projeto especial. Nos
últimos meses, o jornal criou a editoria de Newsletters, que envia a assinantes
e-mails com uma seleção de artigos e notícias sobre economia, política, Justiça
e cultura; aumentou o número de podcasts, liderados pelo Café da Manhã, com
novo episódio em todos os dias úteis; ampliou a atuação do núcleo de jornalismo
de dados, o DeltaFolha, que, ao lado de outros veículos, vem tendo papel
decisivo no consórcio da imprensa sobre dados da Covid-19.
A Folha também
encerra a década como o jornal com mais assinantes do país, como mostram os
dados consolidados sobre 2020 recém-divulgados pelo IVC Brasil (Instituto
Verificador de Comunicação). O primeiro lugar na circulação dos jornais foi
assumido em 1986 e nunca mais perdido pelas mais de três décadas seguintes
entre os jornais de prestígio, exceto em alguns meses. No ano passado, segundo
o IVC, a Folha registrou a maior média mensal de pagantes entre os veículos, na
soma de suas versões digital e impressa. No cálculo geral do ano passado, foram
337.854 exemplares diários pagos por mês, crescimento de 3% ante média de 2019.
O veículo foi o
primeiro jornal a ter um site de notícias em tempo real, em 1995; a unificar
suas redações digital e impressa, em 2010, e a operá-la plenamente integrada
dois anos depois. Em 2018, a Folha anunciou que deixaria de publicar conteúdo
no Facebook, após diminuição da visibilidade do jornalismo profissional e alta
do alcance de notícias de teor duvidoso. Anos depois, após escrutínio maior de
governos e anunciantes, a rede social anunciou medidas para controlar as
notícias falsas na plataforma. Assim, com a transformação digital, iniciada há
uma década, a Folha foi pioneira também no modelo de negócio, em 2012, ao
implementar no Brasil o chamado paywall poroso (muro de pagamento). O formato
de cobrança de conteúdo no ambiente online perdura até hoje e foi adotado por
outros veículos.
Com tal modelo, o
crescimento das vendas de assinaturas digitais foi de 200% durante a cobertura
da pandemia do coronavírus. No período, o jornal lançou uma oferta de seis
meses de assinatura gratuita para profissionais da área da saúde —meses antes,
já havia criado a assinatura para advogados, em parceria com a OAB. Em abril de
2020, outro marco foi anotado: recorde de audiência. A Folha somou 73,8 milhões
de visitantes únicos, segundo dados do Google Analytics. Esses internautas
realizaram 176,9 milhões de visitas e clicaram em 428,4 milhões de páginas.
A seguir, entrevista com o diretor de redação da Folha, Sérgio Dávila,
que fala sobre o trabalho da imprensa no atual contexto, a imagem de oposição
que a marca tem e o consórcio formado com UOL, G1, O Globo, Extra e Estadão
para cobrir os números da Covid-19.
Meio
& Mensagem – Você foi o único repórter brasileiro, com o
fotógrafo Juca Varella, a cobrir a Guerra do Iraque, em 2003. Com base nessa
experiência, como lidar com as limitações da imprensa, seja em tempos de guerra
ou de paz?
Sérgio Dávila – Fazer jornalismo independente,
pluralista, crítico e apartidário num país como o Brasil é uma guerra diária. O
público está polarizado como nunca, e a maior pandemia em um século e a
maior crise econômica em décadas criam a tempestade perfeita. No entanto, é
reconfortante ver como o leitor tem recompensado o jornalismo profissional. Os
veículos alcançam números inéditos de audiência — a Folha teve 73 milhões
de visitantes únicos em abril do ano passado, seu recorde histórico —, as
pessoas passam a perceber que a diferença entre “news” e “fake news” pode ser a
diferença entre a saúde e a doença.
M&M – A Folha, tradicionalmente, é tachada de oposição ao governo,
independentemente da coloração política ou ideológica. Por que o jornal, nesses
100 anos de história, conquistou esse apêndice de oposição?
Dávila – Talvez por fazer um jornalismo crítico
dos poderes constituídos, não só no Planalto, mas em todas as áreas. A Folha já
foi criticada por governos de esquerda, de centro e de direita. Foi invadida
pela Polícia Federal em 1990, censurada durante a ditadura militar, empastelada
no primeiro governo de Getúlio Vargas e até o presidente Arthur
Bernardes tentou interromper sua circulação nos anos 1920. Mas, para citar o
colega Martin Baron, editor-chefe do jornal The Washington Post, “we
are not at war, we are at work” (não estamos em guerra contra ninguém,
estamos fazendo nosso trabalho).
M&M – “A imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”,
afirmou Millôr Fernandes. Em que medida essa afirmação cabe na Folha?
Dávila – Há um problema na
famosa afirmação do genial Millôr, que, aliás, teve coluna na Folha nos
anos 2000. Ela pressupõe que a imprensa tem de tomar partido politicamente, e
isso vai contra os princípios da Folha. O jornal tem suas opiniões, sim, e as
expressa diariamente, sobre todos os assuntos, em editoriais. Mas é
independente de partidos, governantes, tendências. Agora, se você entender a
ideia de oposição expressa na frase do Millôr como ter uma visão
sempre crítica de quem está no poder, seja lá quem for, aí estamos de
acordo.
M&M – A Folha é um dos veículos que participa do consórcio formado para
dar transparência aos dados de avanço da pandemia no Brasil. Como você avalia o
papel da imprensa no atual contexto político e social, inclusive assumindo
perante a sociedade tarefas que deveriam ser do poder público?
Dávila – É um sentimento misto. Por um lado, o
consórcio é uma iniciativa inédita na imprensa brasileira, tradicionalmente
muito competitiva entre si, de colaboração em prol do bem comum. Por outro
lado, ele só surge diante do apagão de informações confiáveis que deveriam ser
divulgadas pelo governo federal, apagão este que ocorre no pior momento da
epidemia.
Fonte: Meio&Mensagem
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