Ascensão do digital movimenta
reinvenção dos jornais impressos
Queda de tiragens indica mudanças de hábito de consumo de notícias,
questionando modelos de negócio de grandes veículos jornalísticos tradicionais
17 de dezembro de 2021
Aguardar a chegada do jornal à porta toda manhã para saber as notícias mais
quentes do dia anterior é um hábito que foi sendo abandonado aos poucos após a
massificação da Internet e do consumo de conteúdo jornalístico de forma
digital. A era de ouro dos principais players do setor é lembrada como um
passado nostálgico e sem volta. Segundo dados do Instituto Verificador de
Comunicação (IVC), o mês de setembro deste ano registrou queda de 13,6% na
circulação de publicações impressas, quando comparada a dezembro de 2020.
O
site Poder360 reuniu informações sobre Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de
S. Paulo; Super Notícia, de Minas Gerais; Zero Hora, do Rio Grande do Sul;
Valor Econômico; Correio Braziliense, do Distrito Federal; Estado de Minas; o
baiano A Tarde e o cearense O Povo, revelando que nenhum dos veículos registrou
alta na circulação no acumulado dos três trimestres de 2021.
Circulação digital
dos jornais cresce no trimestre
Essa
queda não é um fenômeno recente. Ao todo, desde 2016, o IVC indicou que as
tiragens caíram de pouco mais de 883 mil para 505 mil nas empresas analisadas.
E esse declínio não teve origem no Brasil. De acordo com Eduardo Tessler,
consultor de empresas de comunicação e sócio-diretor da Mídia Mundo, a
substituição de fontes de leitura, que levou à queda da circulação das
publicações, começou com a crise de poder aquisitivo de 2008, que afetou os
Estados Unidos e a Europa. Mais do que uma crise de notícias, o movimento
resultou também em uma queda da publicidade dois anos depois, puxada pelo menor
número de leitores.
“Isso
coincide com as novas estratégias dos intermediários, plataformas tech como
Google e Facebook, que melhoram a exposição de publicidade. Os anunciantes que
já estavam desconfiados com a queda da circulação encontraram uma alternativa
melhor para rentabilizar e os leitores também começam a perder o gosto pelo
papel”, comenta o especialista. No Brasil, segundo ele, a onda chegou em meados
de 2013, com uma crise que atingiu seu ápice em 2015.
Mesmo
com a ampla discussão de acesso à internet no Brasil, a população digitalizada
já é uma realidade. Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) junto ao
Centro de Tecnologia de Informação Aplicada identificou 440 milhões de
dispositivos digitais no País, que compreendem computadores, notebooks, tablets
e smartphones. A estimativa é que de sejam dois aparelhos por habitante. “Não é
que houve uma transição. Foi natural que as pessoas passassem a entender que
tinham em mãos um objeto que favorecia a chegada da informação com mais
vantagens”, declara Eduardo. A rapidez com a qual as notícias chegam ao público
incentivaram o nascimento de portais como iG, Terra e UOL, deixando como
arcaico o modelo de fechamento antecipado de reportagens e notícias para
circulação no dia seguinte.
Brasil perdeu oito
jornais em 6 anos
O consultor considera que o marco da conversão de credibilidade do papel
com o digital foi em maio de 2017, quando O Globo publicou o furo de que o
empresário Joesley Batista, da JBS, gravou o então Presidente da República,
Michel Temer, em uma conversa comprometedora, em seu site, em vez de publicar a
reportagem no impresso. “Naquele momento, as pessoas entenderam a credibilidade
do meio digital, que até então poderia não ser tão confiável”, conclui Tessler.
A partir de então, o veículo passou a investir em artigos de opinião no meio
online — a repercussão dos fatos, e não apenas a notícia em si –, representando
o recorde de vendas de assinaturas digitais da época para a companhia.
Assim,
na contramão do declínio das publicações em papel, o digital ganhou força. A
evolução das assinaturas pagas por parte dos players contabilizados pelo
Poder360 (com exceção de A Tarde, Estado de Minas e Correio Braziliense) teve
aumento de 6,4% entre dezembro do ano passado e setembro de 2021.
Contudo,
muitas publicações não tem conseguido acompanhar a tendência de migração para o
digital e acabaram encerrando suas operações. Em 2018, conforme apurado
por Meio
& Mensagem com
informações do VoltLab, veículos como Diário de São Paulo, A Cidade e
Gazeta de Alagoas deixaram de existir. Antes disso, ainda, o País deixou de ter
títulos como Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, Diário do Comércio e Brasil
Econômico.
Recentemente, foi a vez do Agora São Paulo, do Grupo Folha, deixar
de cicular depois de quase 23 anos.
Grandes jornais
têm caminho de crescimento no digital
Para
onde o setor caminha?
A Folha de S. Paulo foi uma das
primeiras grandes empresas a adotar o paywall, quando há a cobrança pelo acesso
ao conteúdo digital. O mesmo mecanismo foi seguido por demais veículos, como o
Estadão, Exame, O Globo e outros. Foram os grandes veículos internacionais que
começaram, inicialmente, a adotar a estratégia, como The New York Times, The
Guardian e The Economist, como uma forma de tentar suprir parte de receita
publicitária perdida na velha guarda das publicações impressas.
Uma
das principais críticas ao modelo do paywall é a restrição do acesso a
informações. A discussão foi fomentada, recentemente, durante a pandemia do
coronavírus, em que o leitor estava ávido por informação de qualidade. Tal
debate levou veículos a liberarem o acesso a conteúdo
relacionado ao tema.
O
consultor de mídia defende que as notícias mais factuais devem ser gratuitas,
parte de uma estratégia para driblar a concorrência. Alguns nomes adotam
inclusive a um tipo de paywall “poroso”, como classifica Eduardo, em que o
leitor tem acesso a uma quantidade de conteúdo gratuita por um determinado
período, antes do início da cobrança. Ele aponta ainda que uma das saídas mais
efetivas é a da cobrança por conteúdo “premium”, como artigos de opinião,
análises, vídeos diferenciados e reportagens exclusivas.
Já para os jornais físicos, o executivo sugere que as publicações devem
ser mais elaboradas, a fim de se tornarem um diferencial para o leitor. O
grande desafio, indica, é suportar economicamente essa realidade, uma vez que é
necessário atingir a sustentabilidade de acordo com uma massa crítica
suficiente, captando leitores que também estão presentes em outras mídias.
Fonte: Meio&Mensagem
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